03 fevereiro, 2009

AMIGOS PARA SEMPRE

Era uma vez uma instituição chamada “Amigos para Sempre”. Essa instituição se dizia o grande paladino da “Justiça”, da “inclusão social”, da efetivação de um verdadeiro “Estado Democrático de Direito”, dentre outros belos auto-elogios. Por outro lado, nessa mesma instituição, as promoções por merecimento não avaliavam o merecimento dos seus funcionários. As promoções por merecimento eram na verdade o portal de entrada dos amigos nos degraus mais altos da carreira. Nessa mesma instituição, os cargos mais elevados eram distribuídos aos amigos. Pessoas semi-analfabetas ocupavam cargos de alta complexidade técnica. Não se avaliava a adequação do funcionário ao cargo, tampouco a competência, seriedade,profissionalismo. Os amigos eram trazidos para a capital antes do tempo,enquanto os demais amargavam anos de labuta no interior. Razões obscuras e questionáveis eram utilizadas como pretexto para agraciar os amigos com benefícios privativos a uma pequena elite. Núcleos temáticos eram concebidos para encaixar como uma luva (por uma mera coincidência, é claro) no “perfil” dos amigos. Às vésperas de qualquer nomeação, designação, promoção, um movimento de lobby cancerígeno tomava conta dos bastidores da instituição. Nesses dias, ninguém trabalhava. Todos cuidavam de aliciar votos pra o seu curralzinho da amizade. Não importava a função social do cargo, os assistidos dormindo nas filas para receber um (humilhante) atendimento, as pilhas de processos na prateleira, os prazos correndo. Nada importava. Todos viravam urubus em carniça para defender os seus interesses e os dos amigos, claro. Nessa mesma instituição, pessoas ganhavam de R$ 12 a R$ 20mil pra não fazer nada. E, pasmem, não tinham nenhum drama de consciência por isso. Eles dedicavam integralmente o seu tempo aos seus segundos (terceiros, quartos...) vínculos empregatícios, nos quais ganhavam R$ 20,00 a R$ 30,00 por hora-aula. Parece incrível, mas é isto mesmo. Os funcionários da “Amigos para Sempre” não chegavam atrasados um minuto sequer na empresa onde ganhavam R$ 20,00 pra dar uma aula, sob pena de perderem o emprego. Mas na “Amigos para Sempre” (onde ganhavam de R$ 12 a R$ 20mil) era diferente. Lá não precisava nem comparecer, que dirá chegar na hora (aliás, que hora?). Nessa empresa não precisava trabalhar, não precisava ter dedicação, nem competência. Mas no fim do mês, fizesse chuva ou sol, o salariozão tava lá na conta. Carrões, apartamentos, viagens pra Europa. Não tinha “crise financeira mundial” que abalasse os funcionários da “Amigos para Sempre”. Não existia medo de perder o emprego. Medo este, aliás, que acometia 10 em cada 10 pais de família, à época, em função de uma tal crise financeira. Mas não os funcionários da “Amigos para Sempre”. É que nessa instituição, ao serem aprovados no concurso público, os seus funcionários conquistavam o direito adquirido a perceberem de R$ 12 a R$ 20mil por mês até a morte e em troco de nada, ou muito pouco. A sociedade não sabia disso. Ela pagava a conta sem saber. Mas era isto que acontecia. Enquanto qualquer pai de família tinha que suar muito a camisa pra ganhar R$ 415,00, aqui, na “Amigos para Sempre”, as pessoas ganhavam 40 vezes isso a troco de nada ou muito pouco. E quem bancava tudo isso era o Seu João, que ganhava um salário mínimo. O Seu João não tinha escola pros filhos, não tinha hospital, não tinha remédio, não tinha carro, não tinha transporte público, não tinha moradia, não tinha lazer, dentre outras coisas básicas. Mas era com o dinheiro do Seu João que eram custeados os altos (e nem um pouco merecidos nem justificáveis) salários dos funcionários da “Amigos para Sempre”. E esses felizardos não tinham nenhum peso na consciência por isso. Toda noite colocavam a cabeça no travesseiro e dormiam o “sono dos justos”.

Era o ano de 2028 e um pai contava essa estória para o seu filho, então no primeiro semestre do curso de direito, em meio a um papo sobre moralidade administrativa.

O filho, após ouvir tudo cuidadosamente, indaga ao pai:

– Em que livro o senhor leu essa estória papai?

E o pai responde:

– Livro nenhum, meu filho. Essa estória é real. Infelizmente, o seu pai trabalhou nessa empresa “Amigos para Sempre”. Isso tudo aconteceu em pleno século XXI. Foi no ano de 2009. E o seu pai tinha enorme vergonha de trabalhar nessa instituição.

A questão ético-moral subjacente à situação acima narrada é exatamente a mesma relativa ao caso dos políticos de Brasília, que fazem conchavos inescrupulosos nos corredores do congresso nacional e desviam milhões, em detrimento das prestações constitucionais devidas à população. A diferença é apenas quantitativa, e não qualitativa.